segunda-feira, 15 de julho de 2024

A quem damos o nosso amor?

 


A quem damos nosso amor? 

Há muitas razões para aceitarmos nosso investimento de energia amorosa nos outros e dizer "Sim!" a situações em que queremos dizer "Não!" em alto e bom som. Às vezes queremos ajudar, mas na verdade estamos impedindo o crescimento do outro; também pode acontecer de darmos a alguém nosso afeto mais profundo, fazermos esforços, até sacrifícios, e nem sequer somos percebidos, muito menos valorizados. E ainda é muito comum nos deixarmos levar pelo desejo de reconhecimento, em busca de elogios que aumentem nossa autoestima. E assim vamos nós, sorrindo, mostrando ao mundo o quanto somos legais. 

Mas, dizer "Não!" a algo ou alguém não é abandono, agressão ou malvadeza, ao contrário, significa que respeitamos nossos limites e possibilidades, estamos de bem com a vida, e pode sim ser considerado um ato de amor. Não se trata de gritos, de desequilíbrio emocional, porque quando temos confiança em nosso discernimento, o limite é completamente firme e não deixa dúvidas. Se reaprendermos a sentir, ouvindo nosso corpo, onde desaguam as emoções, nosso coração, e nos permitirmos refletir, haverá clareza em nossas ações. 

É tudo tão automático que até esquecemos como desligar o eterno botão "Sim!" para dizer "Não!" quando necessário. Mas quando decidimos não fazer coisas que nos atropelam, não nos trair mais por medo de caras feias, não nos deixarmos mais sucumbir pelas culpas ou pela necessidade de aparentarmos perfeição, a mágica acontece: para cada "Não!" que dizemos a algo ou a alguém que não é bom para nós, dizemos "Sim!" a nós mesmos! E, ao darmos amor a nós mesmos, nos permitimos amar verdadeiramente o próximo. Ao fazer isso, liberamos equívocos sobre nosso poder destrutivo que imaginamos que outras pessoas não poderiam suportar. É também como desistimos de jogos que manipulam nossas emoções. E em vez de nos abandonarmos, perdermos energias, renunciarmos ao nosso verdadeiro tesouro, a esta capacidade humana de refletir e tomar decisões sem medo, nos tornamos leves, livres e soltos para aprendermos a fazer concessões sinceras e amorosas.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

UÉ...

 


UÉ...

Dizem que pra bom entendedor meia palavra basta, mas fiquemos espertos! Nem sempre aquilo que deveríamos ter dito claramente, mas não dissemos por esse ou por aquele motivo, leva o outro a reagir como se espera. É sempre bom lembrar que jogar com o que a nós parece implícito pode ser arriscado, porque traz consigo infinitas interpretações ... e depois não adianta reclamar, certo?
Julieta reencontrou Pedroca numa balada, divertiram-se muito dançando e bebendo, rememorando sua antiga paixão de adolescentes. Acabaram juntos na casa dela, e no dia seguinte, ela toda faceira, acordou bem cedo, e serviu a ele café com suas especialidades culinárias. Pensou que finalmente tinha encontrado sua alma gêmea, quem diria, o Pedroca. Pela sua lógica, ele deveria estar pensando da mesma forma, porque os tempos passados haviam deixado marcas nela dessa paixão que haviam vivido na época, e tinha certeza que nele também. Mas, por motivos familiares e mudanças de cidade não conseguiram levar adiante o romance. E agora, mais de vinte anos depois, o destino os havia juntado outra vez. E sim! Ainda dava tempo de ter um filho, seu sonho que ainda não realizara. Uau, e com Pedroca! Lembrava que tinham até falado sobre isso naquele passado distante.
Julieta deliciava-se com suas fantasias enquanto
Pedroca saboreava os petiscos e o café e pensava que tinha sido um belo reencontro, uma possibilidade de namoro até interessante. Afinal, depois de alguns meses separado de sua mulher, mãe de suas três filhas, ter alguém para lhe fazer companhia, dançar, ativar a vida sexual, por que não? Estava cansado de tantos compromissos familiares que tinha agora como pai, e brincar um pouco era uma excelente ideia. Realmente, na adolescência a história entre eles tinha sido bem legal, assim como com outras namoradas, mas reconhecia que Julieta era uma mulher e tanto. Decidiu deixar rolar como há muito não se permitia, e francamente, ser mimado era tudo de bom naquele momento de sua vida. Beijinhos pra lá e pra cá, nada de conversas muito íntimas ou profundas, e mantiveram a imagem de um passado que nutria o relacionamento como uma espécie de compensação pelo período que estiveram separados. O tempo foi passando, e as expectativas de cada um, que para um observador de fora cheiravam a futuros problemas, estavam sendo deixadas pra trás: ela com a certeza absoluta de ter achado o homem de seus sonhos, e futuro pai de seu filho a ser encomendado; ele com a certeza absoluta de ter achado uma namoradinha sem algum tipo de responsabilidade com família e crianças. Pedroca já tinha se manifestado dizendo ser um pai realizado, mas não se aprofundou no assunto, porque achou que Julieta havia entendido que não gostaria de ter mais filhos. Julieta já havia comentado sobre seu sonho de ser mãe, quando percebeu em Pedroca um sorriso que a fez estar certa de que ele havia gostado da ideia, e para ela, resistências eram comuns, e se vencem com o charme feminino. Por isso, se entregou de corpo e alma ao projeto gravidez. Pedroca, por sua vez, achou que Julieta se esqueceria dessa fantasia de ter filhos. Assunto encerrado? Que nada! Algum tempo depois, surpresa!!!
Julieta estava grávida inaugurando a primeira grande crise do casal. Ué ..., mas como? Nós havíamos combinado, pensou Pedroca. E, mesmo de má vontade, muito aborrecido, teve que aceitar. E Julieta pensava: Ué ..., ele queria e não quer mais?
Primeiro sinal de separação. Sabe-se lá como, o sonho de Julieta teve um fim, e ela perdeu o bebê. Os médicos não conseguiram detectar a causa da perda. Mas vida que segue, e como dizem por aí, o pior cego é aquele que não quer ver. Assim, mais uma vez nenhuma conversa sobre o ocorrido. E pasmem! Outra gravidez, e nova perda. Pois é, conflitos têm seus próprios artifícios, mandam avisos e nem sempre seus sinais são ouvidos. Depois disso, em sequência, o congelamento dos afetos, a inevitável separação, e corações cheios de mágoas.
Pelo que soube, tanto Julieta como Pedroca estão ainda hoje sem entender o que aconteceu: "Ué... mas a gente tinha combinado?". Tinha? Tsk, tsk, sei não. Precisamos cuidar direitinho daquilo que muitas vezes parece estar muito claro, mas na verdade..., não está!

domingo, 9 de junho de 2024

 

Linda

TRIM, TRIM
Ele não toca...
Mais enganos.
Não há mais toque; há tempos a gente nem se toca...
Aliás, ele não se toca mais comigo.
E assim, desse jeito, não tem toque,
Nem dele, nem meu,
E nem do telefone.

As maneiras de se dar um toque são muitas, incluindo aí as modernidades que tornam o telefone algo mais antigo. Mas, os sentimentos são os mesmos. Quem não esperou ansiosamente por uma chamada, nem sempre prometida, mas muitas vezes sim, acreditando e sonhando com os futuros momentos de encontro e/ou declarações?
Linda era uma dessas meninas que estavam sempre à espera do príncipe que ia ligar. Apesar de sua beleza, inteligência e simpatia, estava sempre só, ou melhor, acompanhada de suas expectativas. Não somente namorados ou pretendentes, mas também amigas que a excluíam de passeios e aventuras constantemente.
Colocava na aparência externa todas as cartas. Já havia até cortado sozinha seu cabelo, achando que tudo iria mudar com o novo estilo. Mas, nada. Estava sempre sozinha, sentia-se invisível, de alguma forma errada, diferente, e quando aparecia uma oportunidade, ela mesma tratava de listar um monte de exigências tão absurdas, que em alguns minutos todos se tornavam inadequados, idiotas. Para bom entendendor, somente se interessariam por ela os sem melhores alternativas. Exigente nossa menina. Mas, de certa forma, ela tinha razão, porque seu discurso era sobre merecimento, uma espécie de currículo que supostamente deveria ser apresentado, para ser avaliada a altura de qualquer candidato a namoro ou amizade, uma vez que Linda era linda. Um pouco vazia, é verdade, mas por pura ignorância. Conheci duas garotas assim, lindas e vazias. O encantamento inicial se esvaía em algumas horas, não havia nada para trocar. E quando havia, ninguém estava interessado. Que dilema, atrair pela beleza, usar os outros para aplacar a solidão, e nenhum contato verdadeiro se fazer. Cria-se um mundo de ilusões, de aparências, e de sofrimentos, mais cedo ou mais tarde. 
E assim corria a vida de Linda.Sem compreender nada sobre a situação, passava os finais de semana debruçada sobre todos os meios de comunicação da casa, aguardando os trim-trim dos que pareciam aprovados pelo seu crivo severo. Seria o novo penteado que estava horrível? Seria não se vestir como as outras meninas o motivo de não ser convidada? Precisava se tornar mais linda para ter sucesso? Ela não sabia que apenas precisava ser a Linda, que ela nem conhecia. 
Não sei que fim levou a Linda, mas com certeza, não escapou da maturidade, no mínimo fisicamente. Sim, isso já faz um bom tempo. Quem sabe ficou rica e investiu tudo em tratamentos rejuvenescedores? Talvez tenha desistido da sua lista de exigências, (pois a solidão interna é dura de engolir), e tenha se juntado a quem apareceu primeiro. Pode ser também que tenha passado pelas mãos inescupulosas dos que se divertem com a fragilidade alheia. Ou, ainda, queira Deus, aberto um canal de conexão com suas verdades interiores, e descoberto um mundo maravilhoso ao seu dispor. Tudo isso é possível e muito mais, mas a partir de hoje, ao se pegar esperando um telefonema que não chega, alcance sua bolsa, retoque o batom, e vá passear por aí. Ou simplesmente junte-se a sua alma, que costuma ser uma grande companhia, cheia de idéias criativas. Peça a ela, de coração, para dar um novo rumo àquele currículo velho e desbotado, e vá atrás dos que enxergam o que há por trás das aparências.


sábado, 8 de junho de 2024

 Quem sou eu? 

Gosto de histórias, sempre gostei. Ouvi muitas, mais de cinquenta anos dentro e fora de um consultório de Psicologia. Vivi e ainda vivo as minhas próprias histórias, agora com o sabor da maturidade e daquilo que aprendi pelo caminho. O tempo me ensinou a recortar pedaços de relatos, de percepções, que misturo com reflexões, poesias, sentimentos e imaginação, e saio por aí escrevendo, contando, desejando alcançar quem goste dessa leitura. Simples assim, vale ressaltar que ainda sou uma eterna estudante, curiosa, que sonha ampliar a consciência em direção à sabedoria.  

 

 


Amor é uma Ação?


 Amor é uma Ação?

Tenho visto muitas mensagens de como deve ser a escolha de um novo amor. Tem que isso, tem que aquilo, pode ou não pode, deve ser assim... listas cheias de exigências e cuidados de quem carrega corações assustados, talvez ressentidos, vai saber. E aí fico me perguntando se essas requisições poderiam ser direcionadas para um olhar interno em cada um que elabora tais listas. Talvez seja importante saber o que, em matéria de amor, está disponível para quem procura uma verdadeira troca.

Há tempos, li uma afirmação num dos livros de Stephen Covey que me parece adequada aqui e agora: o amor é uma ação! Levei essa questão para um grupo discutir, e o tema rendeu um bom debate: relacionamentos têm mão dupla! É preciso construir, nada vem pronto. A gente gosta e pronto, é ação, não é ação..., e outras ideias foram surgindo.
Mas uma pergunta se destacou: aquilo que desejamos receber do outro podemos dar também?
Então, podemos dizer que olhar para si mesmo com honestidade é fundamental para darmos os primeiros passos buscando o amor que sonhamos? E aí, sem necessidade de nenhuma lista, começaríamos pelo amor a nós mesmos, e o que desse amor queremos compartilhar? O que você, leitor, me diz?

Sobre Convicções

 Sobre Convicções

O tempo passou, e fomos acumulando ideias e opiniões sobre todos os eventos nos quais participamos pela vida afora; criamos certezas, e juramos ter encontrado grandes verdades. Usando esses óculos tendenciosos, fomos propagando nossas convicções, agarrados a elas, desejando não somente companhia, mas também reconhecimento.

Só que convicções são sempre relativas, hoje assim, amanhã já não. A vida é feita de mudanças, e nossas necessidades se alteram à medida em que vamos envelhecendo, fazendo novas escolhas, deixando para trás muito do que nos interessava. E é claro que a forma de pensar, os critérios e as tais convicções também se alteram. Vamos combinar que poderíamos fazer uma lista imensa das transformações que aconteceram em nossos desejos até o dia de hoje, e naquilo que acreditávamos enquanto nossas consciências iam se ampliando.

É dentro de nós que mora a grande verdade, aquela que indica sobre nossos limites e possibilidades na linha da vida. Então, que tal jogarmos fora as convicções entulhadas, o que não serve mais, arejando o nosso ser interno, livrando nossa vida daquilo que não nos faz sentir coerência entre o que pensamos, sentimos e fazemos?

E, como sugestão, tiremos novas fotos!


quarta-feira, 3 de abril de 2024

Coincidências existem?



Amo cães, sempre amei, me pego rindo com eles, e essa alegria que eles me oferecem com suas gracinhas vale ouro. Assim, decidi ir atrás de uma nova companheira de quatro patas, fêmea, para que as visitas de Argos, (outro cão que agora vive com meu filho), pudessem acontecer sem grandes conflitos. 
Foi uma surpresa quando através do contato com um desses lugares onde animais são adotados, divulgando anúncios em redes sociais que nos fazem chorar, recebi um não como resposta, "pois na sua idade não liberamos filhotes, e não pode ser fêmea". Quem precisa de outra definição de etarismo? Com certa tristeza, (pois tinha me encantado com a foto de uma cadelinha), pensei que seria perfeito encontrar a minha nova companheira por aqui, onde moro, magicamente, e decidi deixar que a vida cuidasse disso para mim.
Enquanto isso, lá longe, bem longe, uma cadelinha de três meses, perdida em locais sem qualquer segurança, se encantou por um rapaz, e ele por ela. 
E quem poderia imaginar que esse rapaz era meu vizinho? Pois bem, ele a trouxe, a Chica, como foi inicialmente chamada, para bem pertinho de mim. Como ela não pode ser adotada no lar que havia sido idealizado para ela, foi anunciada na página da rede social da vizinhança, em busca de um lar. "Coincidentemente" eu vi o anúncio, e decidi adotá-la. Acreditei que a vida realmente cuidou disso para mim.
Nina (ex-Chica) chegou, veio morar comigo. Uma filhotinha de três meses, sobrevivente de locais perigosos, cheia de energia, muito mais do que eu poderia imaginar. Por onde passa quer brincar, ganhar amigos, transitando entre a ousadia e a doçura, subindo em mesas, roubando comida, exigindo atenção, com dentinhos afiados, mas sempre amorosa, quando se acalma e opera no modo "zen". Tenho tentado compreender sua linguagem, e , bem, mordida, mesmo de amor, dói, né? Em meio a nossos pequenos rompantes de impaciência, nessa busca de limites e expressões adequadas, eis que me pego agora na preparação física necessária para grandes caminhadas, reuniões caninas em gramados, se eu quiser ter paz por alguns momentos, Nina vencida pelo cansaço. Visando mudanças em minha rotina, com direito a treinos que me fortaleçam, eu também tenho me disciplinado para poder acompanhá-la, porque não há como desligá-la sem gastar sua energia. Já estou também "vacinada" contra os comentários de quem encontramos em nossos passeios, que fazem questão de dizer, "uau, ela vai ficar enorme!!!". E vai mesmo, tudo indica. 
Mas, concluindo até segunda ordem, se a vida é feita de desafios, o meu próximo pelo visto é sincronizar os passos de ambas, os dela e os meus, para que nossos passeios sejam alegres, prazerosos, saudáveis. Será querer demais? E aguardar que Nina e eu nos harmonizemos, para que tenhamos um lar, doce lar. 
Fica então a dica: faça direitinho suas criações porque a vida costuma levar a sério nossos desejos. Torçam por nós!

 



domingo, 11 de fevereiro de 2024

 Livros que publiquei


Quatro livros, que carinhosamente chamo de romances terapêuticos, falando de questões sérias, mas com um toque de magia. Ficções que remetem a reflexões, penso eu. Ainda os considero como ensaios, mas nem por isso deixam de tocar as almas de alguns leitores que me deram seus depoimentos. Aos poucos vou desenvolvendo a minha paixão por contar histórias, que venho registrando, ao observar e aprender com a vida, com os mestres pelo lado avesso, e com quem atendi nesses cerca de cinquenta anos "psicologiando" também entre grupos, projetos, estudos e reflexões. 
Os livros estão publicados na amazon.com.br, Amazon, Barnes & Noble, Apple, Kobo, Scribd, Tolino. Google Play, também em inglês e espanhol. E se alguém se interessar em traduzi-los para outros idiomas, por favor, entre no site da Babelcube, e lá encontrará os procedimentos necessários para isso.
Novos romances? No tempo certo, tudo acontece. Mas há os textos no blog aguardando a sua avaliação.
Um abraço em todos os meus leitores.








Reflexões sobre Ninho Vazio

 REFLEXÕES SOBRE "NINHO VAZIO"

Na minha varanda, numa viga no teto, instalou-se um passarinho, uma futura mamãe. Pois bem, ali ela chocou seus ovinhos, um até quebrou e caiu, mas vida que segue, ali estava ela. Vez por outra, desaparecia, sei lá, ia dar uma voltinha por essas lindas árvores da área. Depois regressava ao ninho concentrada na sua tarefa de chocar ovinhos. Enquanto eu contemplava essas mesmas lindas árvores ali da minha varanda todas as manhãs, acompanhava o processo. Cheguei a pesquisar, e soube que em vinte dias mais ou menos os filhotes apareceriam. Um dia, olhei para cima e vi mais duas carinhas de passarinhos. Senti alegria ao ver a nova família amontoada na telha. Alguns dias depois um dos filhotes já havia partido. Naturalmente, bateu suas asas e voou. Mas o irmão ficou. Eu observava que ele tentava voar, batia levemente as asinhas, e desistia, voltando para o ninho. Levou mais um ou dois dias para ir embora. Sua mãe vinha vez por outra olhar como iam as coisas, dava comida bico a bico a seu filhote e ia embora. E um dia, ele, o segundo passarinho, também se foi. O ninho ficou vazio.
O tema do ninho vazio nos remete de alguma forma à passagem do tempo. Somos convidados a dar uma revoada pelos caminhos percorridos nessa vida, enfrentar algumas despedidas, reavaliar limites e possibilidades. Às vezes damos pouca atenção às mensagens da natureza, deixando passar lições sobre a vida naquilo que nos cerca.
Imagino que o teto da minha varanda tenha sido bem avaliado no noticiário dos passarinhos da região, pois em seguida chegou nova mamãe com seus ovinhos, instalada nesse mesmo lugar, que não foi desmontado. Talvez fosse a mesma, como saber? Curiosamente, vi de outra janela da casa um cano com dois ovinhos abandonados, há dias. Vai ver que no mundo das aves também rola esse tipo de coisa: rejeição parental e abandono.
De qualquer maneira, chegamos ao x da questão: como dar novo significado à rejeição e ao abandono quando se fala em ninho vazio? São filhos que crescem, trabalhos que se encerram, o envelhecimento, mas talvez o maior abandono seja de nós para nós mesmos, nesse momento, quando não suportamos sentir nossas emoções. Ah, saudade. Um processo natural que demonstra que algo muito bom fez parte de nossas vidas um dia. Eu sei, dói, queremos mais, outra vez. De tudo. Às vezes penso que se pudéssemos matar a saudade de tudo lindo que já vivemos ao mesmo tempo, seria como usarmos todos os temperos da cozinha conjuntamente num só prato. Deve ficar horrível! E sei que é difícil aceitar que não há como voltar no tempo exatamente como eram as coisas. Quando um papel que desempenhávamos se torna obsoleto, é hora de buscarmos uma nova forma de realização. Pode doer um pouco, mas também é sinal de que deu certo, os filhos aprenderam a voar, e agora é hora do nosso voo, se o ninho esvaziou. Missão cumprida? Sim, novas decisões serão tomadas, novos rumos aparecerão.

Diferente de rejeição, estamos falando de progresso. É hora da criação de outro estilo de vida, de aprender sobre a própria companhia e as novas escolhas. A saudade? Bem, talvez a gente deva deixar que nossas boas lembranças iluminem o caminho, porque isso nos faz sorrir, é gostoso reviver bons momentos, e sabermos do que fomos capazes. Mas não deixemos que elas substituam o que temos pela frente aqui e agora, mesmo que sejam desafios, porque eles nos fazem evoluir.
Rutty Steinberg
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Sobre Medo

 


SOBRE MEDO

Há um lugar na minha varanda onde me sento pelas manhãs, com sol ou com chuva. Dali contemplo o céu, os desenhos que as nuvens fazem, vejo e escuto passarinhos em plena atividade, admiro os múltiplos tons de verde das árvores e as flores coloridas, e ali atrás, admiro uma montanha. Ao me conectar dessa maneira com a beleza, peço que essa harmonia traga as respostas que meu coração quer para o dia que se inicia e as intuições que o vento leva e traz, entre um ou outro gole do meu café. Faço reflexões, descobertas, planos, às vezes escrevendo, e às vezes apenas pensando, e me permito reconhecer como tudo está interligado.

E foi assim que um dia, uma gatinha, adotada por algum vizinho, veio me visitar. Pequena, um filhote, que achei ser fêmea, mas nunca confirmei e assim ficou sendo. Branquinha, com manchas em tons castanhos, coleirinha no pescoço com um coração, começou a se enroscar em mim, percorreu a varanda, pedindo para receber carinho. Destemida, mostrava como dar saltos no telhado pulando para outras varandas e depois voltando. Não tenho muita intimidade com gatos, mas ela me chamou a atenção, me fazendo rir, passeando pelas casas ao lado. Numa dessas casas, um cachorro enorme estava deitado tomando sol. Ele a viu, e ameaçador, começou a latir sem parar, pulando, mas a gatinha foi até lá e encarou o cão. Sim, colocou a carinha bem pertinho de sua boca, apenas observando a cena, sem medo. Parecia não entender o porquê daquele barulho todo, talvez sentindo-se protegida pela grade que o mantinha na varanda. E não é que o cachorro desistiu de latir? Simplesmente parou, sem saber o que fazer, e entrou na casa dele. E ela se foi, alegremente, continuando a pular de varanda em varanda, dando uma aula de agilidade, flexibilidade e coragem.
Qual final Esopo colocaria nesse encontro se estivesse ali, com suas fábulas? E nas contadas deliciosamente por Monteiro Lobato, o que diria a turma do Sítio do Picapau Amarelo? Sim, a riqueza das fábulas nos proporciona um alimento para a alma, e os animais nos ensinam lições sobre a vida, nos fazem refletir. Será que a confiança dessa gatinha passa por algum instinto que lhe sopra sobre perigos reais? Ou sobre o cachorro ser pesado e não conseguir pular a grade da varanda e pegá-la, logo ela, uma especialista em saltos no telhado? Ou quem sabe ela conhecia o velho ditado: “cão que ladra não morde!”?
Suas visitas continuaram a acontecer, e num momento em que a porta da minha varanda estava aberta, ela entrou em casa sem qualquer cerimônia. Mas, dessa vez, havia o meu cachorro, enorme, ali, e por pouco ela não se deu mal. Correu assustada e se safou. Empolgada com a exploração do mundo, filhotes são assim. Mas, talvez o excesso de confiança a tenha impedido de avaliar onde estava se metendo. Será? A gatinha não desistiu. Talvez tenha aprendido mais sobre sua necessidade de defesa, vai saber. Só sei que ela voltou no dia seguinte, e no outro, e hoje, e sempre volta.
Ah, a aprendizagem dessa vida prossegue, não termina nunca. A quantas desistências o medo já nos levou, justificadas por algumas situações que nossas fantasias catastróficas pintaram? E em quantas outras vezes nos safamos, porque a intuição gritou na hora certa “Sai daí!”? Mesmo sendo ágeis e flexíveis precisamos ser especialistas também em avaliar as possibilidades de enfrentamentos, superações, fugas, afastamentos, desapegos; e se o bem mais precioso que temos é o nosso tempo, sejamos bons em abrir os olhos, observando as pequenas coisas dessa vida para torná-las grandes, ou ao contrário. Se nos conectarmos com a sua sabedoria, perceberemos que mesmo parecendo que o mundo está parado e nada acontece, isso não é verdade.
Rutty Steinberg