sábado, 19 de outubro de 2024

Flores na Janela

                            Flores na Janela

 


Deixei-me levar pelo barulho da chuva, enquanto contemplava as flores na janela da sala.  Foi quando vi meu vizinho, que até então só conhecia de vista, todo molhado, perto da minha casa. Abri a minha porta, e lhe fiz sinal para entrar. Ele aceitou e agradeceu. Enquanto lhe oferecia uma toalha, falei:

-      - Todos os dias te vejo cuidando de seu jardim, e fazendo exercícios com a desenvoltura e a flexibilidade... 

-     - De um rapaz, você quer dizer. Pois é, precisei me empenhar nessa flexibilidade, como você diz, para compensar a passagem do tempo. 

-      - Nossa! Desculpe... não parece, quer dizer... é que ... Ah! Não sei o que falar!

Rimos os dois, e aproveitei para lhe oferecer um chá quente. Ele aceitou sorrindo e com as nossas xícaras, nos sentamos à mesa da sala, olhando a chuva, dando pequenos golinhos em nossos chás. Eu comentei que a chuva estava regando as flores na minha janela. Continuei falando sobre como gostava daquele colorido, já refeita de qualquer constrangimento, percebendo que ele também estava muito tranquilo, à vontade.

-      - Pois é, me falta essa sua energia. Acho que é a idade chegando...

-     - Energia a gente trabalha, há bloqueios que precisam ser estudados e...

-      - Estou informada sobre desbloqueios energéticos, coisa e tal. Conheço até alguns exercícios que procuro fazer. Sabe, às vezes fico pensando em como eu seria depois de desbloquear os tais canais energéticos, na minha idade, isso caso eu consiga ter sucesso com esses trabalhos. Será que ainda dá tempo?

 - Ah, não me diga que você é uma pessoa que se avalia pela idade que tem. Se acreditarmos que não há limite de idade para mudarmos, e buscarmos caminhos que devolvam aquela alegria que nos mantinha de pé...

-     - Já sei! Descobrirei uma nova disposição que poderá me iluminar. Já li muito a respeito, mas não sei se acredito.

-      - Você leu e tentou aplicar?

-       - Bem, algumas vezes, mas sei lá, esqueço, busco outras coisas que preciso fazer, e quando vejo, desisti. Acho que é porque quero resultados imediatos. Na minha idade, não há tempo a perder.

-      - Sei, mas há coisas que precisam de tempo e esforço para se manifestarem, e quem sabe, se você insistir, possa ainda se surpreender com resultados inesperados?

-      - Quem dera! Você quer dizer que é possível reencontrar motivação para descobrir coisas novas, com sede de aventuras? 

-      - A gente se apaixonar outra vez, ter novos interesses, isso sim é possível! Acho que se trata de ver as coisas mais simples sem essa mania de rotulá-las de chatice, por exemplo, fazendo outro tipo de arte, criando coisas diferentes.

-       -E como devo olhar para o espelho, diariamente, encarando as mudanças óbvias...

-     - Nem precisa continuar ... desculpe, seu nome é...

-       -Tylia. Meu nome é Tylia. E você, como se chama?

-       - Milton. Sei aonde você quer chegar, Tylia. Depois dos primeiros sustos diante das transformações com a constatação da chegada da idade, decidi trabalhar com aquilo em que deveria acreditar daqui por diante: se estava passando agora por um novo portal, deveria perder o medo dessa palavra “envelhecimento” e me ver como alguém vivenciando uma outra fase da vida, também com novidades e desafios. Decidi que faria isso sem dramas, sem me sentir vítima.  Bem, a chuva parou e vou indo... Obrigado por me abrigar e pelo chá. Foi um prazer te conhecer.

-       - Podemos conversar mais sobre levar a vida...

-      - Sim, será ótimo.  Até breve, Tylia.    

A chuva havia parado, e o cheiro do mato me convidou para uma caminhada. Decidi resistir a ideias de restrições por conta do envelhecimento, e aumentar o meu fôlego. Enquanto caminhava, lembrei dos tempos em que eu gostava de me exercitar, e agora me perguntava se estaria acreditando num envelhecimento que supostamente traria a perda de tudo que dá sentido à vida, e ainda, se estaria seguindo algum manual vindo sei lá de onde com regras idiotas de como se viver. Nesse momento, algo me fez olhar para o céu. Estava ainda nublado, mas vi uma pontinha de azul se abrindo nele. Sorri. Algo em mim também estava pedindo passagem para se abrir. 

2 comentários:

  1. Lindo texto, senti um frescor na alma, sabia? Acho que complicamos a nossa vida mais do que devemos… envelhecer faz parte uma fase da nossa caminhada e precisamos mesmo não ver como um fardo, mas como uma fase mesmo e parar de ficar medindo tanto a cronologia deste tempo, mas nos abrir sempre para o novo e continuar em crescimento e transformação continua. Obrigada pelo lindo texto 🥰🙏🏻

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  2. Amei seu texto ! 🥰
    Sabe aquela forma doce e fresca de abordar os assunto!? Pois é, você tem 🤍
    Só fiquei sebtindo falta de continuar lendo e saber um pouco mais dessa história.. 😉

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