FLORES NA JANELA 7
Rita colocou seu chá com biscoitos na mesa que ficava encostada na janela da cozinha. Olhou para o morro que avistava com uma única casinha lá em cima. Sentindo o gostinho do biscoito amolecido no chá, ficou imaginando como como seria viver ali... Mergulhou novamente o biscoito no chá, o que gostava de fazer desde menina, enquanto devaneava. Distraída, esbarrou com sua mão no pacote de biscoitos, que caiu no chão, quebrando-se e espalhando-se pelo chão, o que interrompeu seu devaneio.
-Bem, vou ter que me abaixar. Fazer o que?
Pensou que já não tinha a mesma agilidade da juventude, mas achava que estava em forma. O cheiro do mato com as caminhadas e com os exercícios que fazia todas as manhãs eram fundamentais para o seu bem-estar. Apanhou os biscoitos esfarelados, a vassoura, limpou tudo e sentou-se para terminar seu chá. Sorrindo, lembrou-se dos passeios diários que aconteciam com as irmãs quando eram meninas e brincavam de se aventurar por ruas desconhecidas do bairro. Descobrira como se fortalecer com a idade que avançava, e gostava de estar com Tylia e Juracy para falarem sobre jovens idosos. Não gostavam da quantidade imensa de informações contraditórias que encontravam em todos os cantos sobre alimentação, vitaminas, exercícios, isso pode, aquilo não, remédios para a memória, sem falar nos milhares de conselhos vindos dos comerciantes da fé alheia. Muitas vezes conversamos sobre tudo isso, mas sempre chegamos às mesmas conclusões: os bons tempos são inesquecíveis, com certeza! Ah, que saudade...
Levantou-se, e pegou as cartas de seu baralho cigano, querendo ver quais reflexões elas traziam para o dia. Esse era um hábito cultivado há muitos anos: a conversa com os símbolos das cartas. Elas tinham o dom de fazê-la refletir sobre o passado, e as mudanças que foram acontecendo ao passar tantos anos experimentando a vida. Refletia também sobre as grandes lições aprendidas e as que ainda precisava aprender.
- Ai, caíram no chão, não acredito!
Abaixou-se mais uma vez. Parou surpreendida quando viu que havia nas cartas caídas, ao lado de um livro aberto no chão, uma sequência interessante, como a moldura de um quadro. Sentou-se ali mesmo. Queria olhar as cartas com calma, interpretar o que via. Seriam mensagens? E se fossem? Mas, sem conseguir evitar, mesmo tentando não sucumbir ao sono que chegava sabe-se lá de onde, foi deitando... se encostando numa almofada perto do sofá... e fechando os olhos. Acontecia mais uma vez aquilo, uma espécie de voz dentro dela que de uma maneira estranha lhe soprava palavras:
"É preciso acolher aquilo que vem do seu coração, querida. Ser leal consigo mesma, comprometendo-se com o amor à vida. Há muitas coisas aí fora que não se vê, mas as verdadeiras respostas vêm de dentro de você. O seu caminho está aberto para um novo ciclo depois de obstáculos e pedras, além de roubo de energia. É tempo de se reequilibrar e resgatar a alegria escondida, expandindo a vitória alcançada com seu esforço. Reconheça que não precisa mais estar só ao permitir-se voar mais alto, buscar parcerias leais, conectando-se firmemente com algo maior do que seus cinco sentidos. A esperança de ter sua tranquilidade de volta não deve ser confundida com acomodação por medo do desconhecido. Você tem muito para colher, e ao comunicar-se com seu passado, limpe as mágoas, corte sentimentos que não servem mais, e surpreenda-se com a riqueza do mundo interior a ser explorado. Às vezes, sacrifícios são necessários para se alcançar vitórias, portanto equilibre seus compromissos segundo suas reais importâncias. Reative a esperança em seu coração e vá em frente! Para isso, a partir de agora, em suas caminhadas respire o verde das árvores por onde passar e o colorido das flores que encontrar pelo caminho."
Rita então abriu os olhos, e leu no livro aberto:
" Ah, vida!
Que te quero viva,
Despida,
Desde o dia em que esqueci das tuas ilusões e fiquei só.
Vesti um prazer que doeu.
Foste de uma clareza inesquecível,
Porque eras cinza também.
E, me despedindo, abri mais portas.
Ia dançando pela tristeza, aprendendo novos passos, firme no chão.
E aí, sorrindo, descansei abraçada ao silêncio,
Envolvida pelas nossas verdades,
Ou possibilidades,
Longe das desgastantes idas e vindas. "
Rita fechou os olhos suavemente, sentindo paz, muita paz.
Adorei, bate com o momento q estou vivendo e traz algumas afirmações sobre as quais tenho q refletir. Obrigada, amiga
ResponderExcluirLindas e sábias palavras 🌼
ResponderExcluirA sua escrita me deixa profundamente relaxada! Ela me tira do meu "lugar" e me faz viajar na sua prosa 🙏
ResponderExcluirOa jurar que senti o cheiro desse chá e que os biscoitos tinham gosto de limão e canela 🤍
Uma admiradora sua aqui de Portugal
Silvia Dias