ACORDA, AMELINHA!
Triste, mas compreendendo.
De bem com a solidão?
Sem fissuras, sem doidices...
Amo doendo
Porque não é para mim aquele olhar que
brilha,
E não é meu o desejo do coração que vejo
se abrir.
Sem ressentimento, talvez...
Acho apenas que estou na trilha errada,
E..., confesso,
Não sei como sair.
Amelinha era uma especialista na
cozinha, casa sempre limpa e arrumada, e além do seu trabalho como funcionária
pública, lidava com a tábua de passar roupa como ninguém. Conseguia tempo para
manter as roupas de seu marido limpas e passadas, jantarzinho na mesa, e mesmo
quando era pega por gripes ou enxaquecas, nada a impedia de cumprir suas
tarefas. Seus estudos? Parados. Não havia tempo, pois as necessidades de seu
companheiro eram prioridade. Quando,
eventualmente, o casal saía à noite, Amelinha se transformava, tudo para
agradar, com direito ao nariz empinado que ostentam as mulheres confiantes de
terem uma propriedade: seu marido. Diria até que se tornava um pouco
antipática, apesar de seu olhar, lá no fundo, expressar uma pontinha de medo.
Isso mesmo: medo.
Eram já os sinais do teatro se
desmoronando. No quarto do casal, a história era outra. As discussões eram para
quem quisesse ouvir, com choros e portas batendo. Mas, pela manhã, tudo era
recomposto, o cenário da mesa posta, e a preocupação de Amelinha de fazer o que
o marido gostava. Este, sempre de cara fechada, parecia o gigante dos contos
infantis ao se aproximar das amigas da esposa. Ela se recolhia imediatamente, e
o medo, aí sim, transparecia em suas feições, apesar de todas as tentativas de
disfarce.
Amelinha parecia cada vez mais abatida,
e as amigas percebiam as marcas do choro, mas ela não abria o jogo, persistindo
nos agrados cada vez mais exigentes, e...caindo no vazio. O gigante estava
visivelmente insatisfeito. Quando Amelinha viajava, festas e namoradas, sem
qualquer constrangimento. E na volta, as acusações de abandono eram jogadas nela
sem escrúpulos.
Um dia a casa caiu. Gritos, sussurros,
choros, e Amelinha se foi, contra a vontade, convidada a se retirar, e lá
dentro do táxi, em meio a malas e caixas, só se percebiam lágrimas, e mais
lágrimas, e mais lágrimas. O choque era o fruto da cegueira, daquilo que é
óbvio para quem assiste do lado de fora.
Algumas horas depois já se podia ver o
gigante sorridente, ao lado de sua nova companheira, que, também vinda num táxi, trazia sua bagagem para a nova vida que a aguardava.
Amelinha viveu a noite negra de sua
alma, até poder despertar. Usou de todo o controle que andava por trilhas
equivocadas, não perdeu as esperanças por um bom tempo, tentou se aproximar, e
também se enganar a todo custo sobre a má fé que sentiu na pele. Sofria daquela
doença que nos ataca quando não queremos abrir os olhos, vendo lá no fundo da
imaginação aquilo que gostaríamos que fosse real. Só que não era nada disso,
pois o casal novo estava visivelmente apaixonado, com bitocas amorosas e
denguinhos próprios desse estado de espírito.
Tudo tem seu tempo e um dia Amelinha
saiu do quarto onde estivera fechada, lavou o rosto, tomou um banho de loja,
motorizou-se, e foi viver a vida. Uns dizem que abriu um restaurante, outros
que voltou a estudar e sai com seu carrinho por aí. Mas um passarinho me contou
que na hora de dormir, chora até o dia raiar. Não, não é saudade, é a dor de se
querer quem não quer a gente, talvez a falta de perdão a si mesma, ou uma espécie
de birra que a gente faz quando tem que deixar ir o que já não faz mais parte
do nosso script.
Ei, Amelinha, acorda! Essa novela já
acabou!