segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

FLORES NA JANELA 8 (cont.)

 


Juracy sentiu-se sonolenta naquele dia, consequência de seus estudos constantes. Sentia-se sozinha. Vez por outra algumas lágrimas escapavam de seus olhos, quando então ia regar as flores no jardim, encontrava livros interessantes ou ainda devorava guloseimas para preencher o vazio. Deitou-se no sofá, colocando o livro que estava lendo, "A Sua Mulher Interior", aberto, na mesinha próxima à poltrona. Deixou-se levar em relaxamento profundo, desejando o retorno de sua alegria esquecida, quando levou um susto: na poltrona, segurando uma rosa vermelha muito perfumada, havia uma mulher. 

- Quem é você? Como entrou aqui? Juracy perguntou.

- Bem, a porta de sua mente estava entreaberta, e entrei. Eu sou a sua mulher interior, a do livro que você está lendo, e estou lhe fazendo uma visitinha porque alguns toques se fazem necessários. 

- Estou sonhando? Deixe-me entender: você é a mulher do livro sobre a mulher interior, ou seja, eu? 

- Sempre querendo entender...é, isso mesmo, sou você, né? Não tente explicar, por favor, chega de tantas teorias, ok? Perceba como quiser, escolha entre tudo o que você andou estudando e praticando, mas por favor, me ouça! Falam tanto em criança interior, e esquecem da mulher interior, mas enfim, estou aqui. E quero te perguntar: de que adianta estudar tantas teorias e ler tantos livros se você não aplicar tudo isso em sua vida? 

- Mas eu aplico...

- Acha que aplica. Você não se dá conta da sua alegria de viver se esvaindo. Fica se comportando como se não pudesse mais admirar as coisas belas, rir, cantar, dançar, passear, se divertir um pouco. Afinal, a jovialidade é algo que seria bom te acompanhar para sempre, um sinônimo de leveza, parte da verdadeira sabedoria, você não acha?

- Ah, falar é fácil. Espera, você deve ser um aspecto inconsciente... ou subconsciente como se diz agora, já sei, um fractal, deve ser um holograma... ai, essa minha memória, preciso fazer mais exercícios, eu li tanto a esse respeito ontem mesmo, e agora não consigo lembrar...

- Ai, para com isso, que coisa chata tentar encaixar tudo nas teorias inacabadas que circulam por aí, não tem nenhuma importância se sou real, ou fugi do livro, mas sim a mensagem que quero deixar. 

- Ok, minha mulher interior, que saiu do livro, por favor, me diga a que devo essa visita inusitada que ninguém vai acreditar...

- Juju, posso te chamar assim? Afinal, somos íntimas, né?Você está sucumbindo às energias exteriores, deixando-se levar por tristezas que não precisam te derrubar, muitas nem te pertencem. Você não pode parar o mundo, mas pode decidir como reagir ao que te rodeia. Ao buscar tanto conhecimento esqueceu das coisas que te fazem sorrir? Chora sua solidão e não percebe as vitórias que foram conquistadas? Não deixe seu/nosso espírito envelhecer, Juracy! Veja a vida com os olhos libertos de obediência a visões alheias, seja um pouco mais irreverente. O que deu em você? Esqueceu como você/nós somos divertidas? Ai, ai, ai, garota, descubra como se libertar das regras que te fazem infeliz, e que também me afetam, para que o nosso coração possa se expressar. Cante, deixe sua voz sair! Bem, preciso voltar para o livro, missão cumprida.

- Espere, fale mais... Mas a mulher já tinha ido embora.

Foi então que Juracy sentiu algo tocando seu braço e um perfume delicioso na sala. Abriu os olhos. Surpresa, deparou com uma rosa vermelha e perfumada ao seu lado. Fechou o livro. Levantou-se, sorriu para si mesma no espelho da sala e colocou a rosa em seus cabelos. Livre, leve e solta, rodopiando, saiu de casa cantando. Foi passear. 

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Flores na Janela 7 (continuação)

                             FLORES NA JANELA 7


Rita colocou seu chá com biscoitos na mesa que ficava encostada na janela da cozinha. Olhou para o morro que avistava com uma única casinha lá em cima. Sentindo o gostinho do biscoito amolecido no chá, ficou imaginando como como seria viver ali... Mergulhou novamente o biscoito no chá, o que gostava de fazer desde menina, enquanto devaneava. Distraída, esbarrou com sua mão no pacote de biscoitos, que caiu no chão, quebrando-se e espalhando-se pelo chão, o que interrompeu seu devaneio.  

-Bem, vou ter que me abaixar. Fazer o que? 

Pensou que já não tinha a mesma agilidade da juventude, mas achava que estava em forma. O cheiro do mato com as caminhadas e com os exercícios que fazia todas as manhãs eram fundamentais para o seu bem-estar. Apanhou os biscoitos esfarelados, a vassoura, limpou tudo e sentou-se para terminar seu chá. Sorrindo, lembrou-se dos passeios diários que aconteciam com as irmãs quando eram meninas e brincavam de se aventurar por ruas desconhecidas do bairro. Descobrira como se fortalecer com a idade que avançava, e gostava de estar com Tylia e Juracy para falarem sobre jovens idosos. Não gostavam da quantidade imensa de informações contraditórias que encontravam em todos os cantos sobre alimentação, vitaminas, exercícios, isso pode, aquilo não, remédios para a memória, sem falar nos milhares de conselhos vindos dos comerciantes da fé alheia. Muitas vezes conversamos sobre tudo isso, mas sempre chegamos às mesmas conclusões: os bons tempos são inesquecíveis, com certeza! Ah, que saudade... 

Levantou-se, e pegou as cartas de seu baralho cigano, querendo ver quais reflexões elas traziam para o dia. Esse era um hábito cultivado há muitos anos: a conversa com os símbolos das cartas. Elas tinham o dom de fazê-la refletir sobre o passado, e as mudanças que foram acontecendo ao passar tantos anos experimentando a vida. Refletia também sobre as grandes lições aprendidas e as que ainda precisava aprender. 

- Ai, caíram no chão, não acredito!  

Abaixou-se mais uma vez. Parou surpreendida quando viu que havia nas cartas caídas, ao lado de um livro aberto no chão, uma sequência interessante, como a moldura de um quadro. Sentou-se ali mesmo. Queria olhar as cartas com calma, interpretar o que via. Seriam mensagens? E se fossem? Mas, sem conseguir evitar, mesmo tentando não sucumbir ao sono que chegava sabe-se lá de onde, foi deitando... se encostando numa almofada perto do sofá... e fechando os olhos. Acontecia mais uma vez aquilo, uma espécie de voz dentro dela que de uma maneira estranha lhe soprava palavras:  

"É preciso acolher aquilo que vem do seu coração, querida. Ser leal consigo mesma, comprometendo-se com o amor à vida. Há muitas coisas aí fora que não se vê, mas as verdadeiras respostas vêm de dentro de você. O seu caminho está aberto para um novo ciclo depois de obstáculos e pedras, além de roubo de energia. É tempo de se reequilibrar e resgatar a alegria escondida, expandindo a vitória alcançada com seu esforço. Reconheça que não precisa mais estar só ao permitir-se voar mais alto, buscar parcerias leais, conectando-se firmemente com algo maior do que seus cinco sentidos. A esperança de ter sua tranquilidade de volta não deve ser confundida com acomodação por medo do desconhecido. Você tem muito para colher, e ao comunicar-se com seu passado, limpe as mágoas, corte sentimentos que não servem mais, e surpreenda-se com a riqueza do mundo interior a ser explorado. Às vezes, sacrifícios são necessários para se alcançar vitórias, portanto equilibre seus compromissos segundo suas reais importâncias. Reative a esperança em seu coração e vá em frente! Para isso, a partir de agora, em suas caminhadas respire o verde das árvores por onde passar e o colorido das flores que encontrar pelo caminho." 

Rita então abriu os olhos, e leu no livro aberto:   

" Ah, vida! 

Que te quero viva, 

Despida, 

Desde o dia em que esqueci das tuas ilusões e fiquei só. 

Vesti um prazer que doeu. 

Foste de uma clareza inesquecível, 

Porque eras cinza também. 

E, me despedindo, abri mais portas. 

Ia dançando pela tristeza, aprendendo novos passos, firme no chão. 

E aí, sorrindo, descansei abraçada ao silêncio, 

Envolvida pelas nossas verdades, 

Ou possibilidades, 

Longe das desgastantes idas e vindas. "   

Rita fechou os olhos suavemente, sentindo paz, muita paz.